terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Música dos Cidadãos “do Mundo”

Conforme prometi, aí vai o primeiro exemplo de música que não é evangélica mas que, além de ter como tema principal a realidade vivida pela classe operária, traz em sua última estrofe, ainda que de forma secundária, uma mensagem evangelística (compare com Apocalipse c. 3 v. 20). Por que o crente não poderia ouvir ou cantar esta música? Só porque o compositor é "mundano"?



Cidadão (Zé Ramalho)
Composição: Lucio Barbosa

Tá vendo aquele edifício, moço?
Ajudei a levantar...
Foi um tempo de aflição,
Eram quatro condução,
Duas pra ir, duas pra voltar...
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto,
Mas me vem um cidadão
E me diz desconfiado:
"Tu tá aí admirado
Ou tá querendo roubar?"
Meu domingo tá perdido,
Vou pra casa entristecido,
Dá vontade de beber,
E pra aumentar meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer...

Tá vendo aquele colégio, moço?
Eu também trabalhei lá.
Lá eu quase me arrebento,
Fiz a massa, pus cimento,
Ajudei a rebocar.
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente:
"Pai, vou me matricular"
Mas me diz um cidadão:
"Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar"
Essa dor doeu mais forte,
"Por que é que eu deixei o norte?"
Eu me pus a me dizer.
Lá a seca castigava,
Mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer...

Tá vendo aquela igreja, moço,
Onde o padre diz amém?
Pus o sino e o badalo,
Enchi minha mão de calo,
Lá eu trabalhei também.
Lá foi que valeu a pena,
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar.
Foi lá que Cristo me disse:
"Rapaz deixe de tolice,
Não se deixe amedrontar!
Fui eu quem criou a terra,
Enchi o rio, fiz a serra,
Não deixei nada faltar.
Hoje o homem criou asa
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar"